sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Brasil: o segundo turno e o que virá

Uma análise das eleições brasileiras no contexto da conjuntura internacional, feita para os aliados e simpatizantes internacionais do PSOL


Um segundo turno imprevisto

O primeiro turno das eleições brasileiras obteve, em nível presidencial, um resultado surpreendente: o segundo turno. Foram eleições frias, sem grande entusiasmo. Dilma estava comodamente na primeira posição das pesquisas, mas justo na semana das eleições houve uma reviravolta que legou ao segundo turno. Lula, como se sabe, possui 80% de aprovação, e contou com a máquina estatal, reforçada pelo aparato petista e a estrutura de seus aliados do PMDB e outros partidos. Incluem-se em seu arco de alianças figuras reconhecidamente corruptas como Collor de Mello, Sarney e Renan Calheiros. Juntos, somaram uma ampla maioria nas Câmaras de deputados e senadores, e elegeram 11 governadores dos 18 Estados em que a eleição se definiu no primeiro turno.
As pesquisas indicam que no segundo turno (31 de outubro), Dilma leva uma vantagem sobre o tucano Serra, que têm crescido na última semana. Estabilizou-se aproximadamente em uma diferença aproximada de dez pontos. enquanto 13% estão indecisos ou votam branco ou nulo.

Por que se foi ao segundo turno?

Vários fatores intervieram para a ascensão de Marina Silva a 20% dos votos que explicam o segundo turno. Ela apareceu como uma “terceira via”, porém mais que uma alternativa, construiu uma política de árbitra e conciliadora entre tucanos e lulistas. Mas essa política foi passando a uma diferenciação dos dois candidatos.  Alem disso Marina com seu discurso de desenvolvimentismo com ecologia, capturou um setor da população sensibilizada por o tema ecológico.
Um segundo aspecto é que três semanas antes das eleições apareceu na imprensa o “caso Erenice”. Erenice Guerra, a herdeira política de Dilma do super Ministério da Casas Civil, está sendo acusada de tráfico de influência num processo licitatório junto da empresa de seu filho.  Um setor do povo rechaçou a corrupção incrustada no aparto do Estado, que lembrou novamente ao “mensalão”. Mas a maior perda foi doa votos da chamada “classe C”, que vai de 3 a 10 salários mínimos. A ascensão de Marina Silva, conhecida como ativista da igreja evangélica, se explica também por sua posição contra a descriminalização do aborto. Os últimos dias antes da eleição, nos cultos das diferentes seitas evangélicas, foram distribuídos panfletos defendendo o voto em Marina Silva. Apesar de suas origens petistas, e de ter participado de quase 6 anos de governo Lula, ela declarou neutralidade no segundo turno, junto da convenção do PV. O PV, porém, por seu histórico fisiologismo, está dividido. É tucano-serrista em Minas, São Paulo e Rio.  O fenômeno Marina também se explica pela falta da alternativa do PSOL com a figura de Heloisa Helena. Ainda é cedo para saber a dinâmica que tomará Marina já proclamada como candidata para o 2014 pela convenção do PV.
E um terceiro aspecto que teve peso e se sentiu nas ruas: a super exposição de Lula, que apareceu dando mostras de um caudilhismo autoritário, alterou o voto de setores médios mais politizados para uma suposta “terceira via”.
Por fim, a Rede Globo e outros grandes meios de comunicação, que se comportam como partido político da burguesia brasileira, deu enorme exposição à Marina para forçar o segundo turno. Influiu nisto, sua relação orgânica com o tucanato (mais visível em São Paulo e no Rio), que tem como veículos de sua campanha os maiores meios de comunicação. Mas também se tratou de uma medida oportunista da imprensa, diante das ameaças de Lula com medidas reguladoras “a La Kirchner”.

A estabilidade do regime democrático burguês

Para os companheiros latino-americanos que seguem com atenção o processo brasileiro, é necessário esclarecer que as eleições estão ocorrendo num período de alta estabilidade burguesa, como há tempos não se passava. Muito diferente de outras situações de nosso continente. A estabilidade prossegue no segundo turno, que apesar de acirrar a falsa polarização entre PT e PSDB, não promove nenhuma paixão militante nas ruas das cidades brasileiras em torno de projetos de país, mas sim algo mais parecido com uma despolitizada briga de torcidas.  Graças a esta estabilidade, a discussão eleitoral, durante certo tempo, girou em torno de qual candidato é mais cristão e mais contra a descriminalização do aborto.
Nenhum dos candidatos expressa diferenças econômicas importantes inter-burguesias, na disputa pela mais valia. O jornal El País perguntou ao ex presidente FHC se “existe o perigo de que o Brasil experimente uma mudança radical, num caso ou em outro” e este lhe respondeu: “os grandes dados da economia estão encaminhados e fechados, e a classe empresarial do país é muito ativa. Foram dados passos irreversíveis”.
Esta estabilidade é conseqüência de 2 processos. Por um lado, há o descenso da luta de classes. As poucas greves que houveram foram atomizadas, corporativistas, dispersas. Muito distante da situação de greves políticas contra os governos europeus (especialmente Grécia e França). E distante também do processo de luta de classes e polarização latino-americano. Basta lembrar a greve geral no Panamá, das greves mineiras e mobilizações dos mapuches no Chile, das insurreições populares departamentais no Peru, o golpe e contragolpe no Equador, as greves na Argentina com ocupação de 40 escolas pelos estudantes secundários em Buenos Aires.
No Brasil, desde a greve petroleira em 1994, não se vive momentos de alta polarização, em conseqüência da estabilidade econômica e da cooptação dos movimentos sociais e cúpulas sindicais realizada pelo governo. O imposto sindical é cobrado de todos, filiados ou não ao sindicato, tornando compulsória e despolitizada a adesão das categorias. Isso significa um enorme montante aos cofres da burocracia sindical que, com controle dos fundos de pensão, se tornou uma nova potência financeira na disputa do Estado. Por isso as cúpulas sindicais, incluindo a central “laranja” Força Sindical, fecharam apoio a Dilma.
Por outro lado, a grande estabilidade econômica se consolidou muito fortemente nos últimos 4 anos de governo Lula. A produção brasileira cresceu para o mercado externo e interno. Isso decorre da nova localização geopolítica e econômica do Brasil a partir da crise e fragilidade dos EUA e Europa. O Brasil se consolidou como grande produtor de alimentos e minerais, sendo o primeiro exportador de soja, aço e carnes para a China. E recebeu também poderosos investimentos chineses e transferência de alta tecnologia. Essa fortaleza chinesa, somada a decadência estadunidense, explica o papel de subpotência econômica que o Brasil encontrou, combinado ao de sub-imperialista na América Latina. Isso explica a unidade dos projetos econômicos de que fala FHC de Serra e Dilma, embora com algumas diferenças.
Ambos convivem perfeitamente com os investimentos das multinacionais imperialistas, velhas ou novas, com os lucros das exportações, e com as novas inversões da China. A estabilidade e o crescimento explicam porque não há contenda pela mais valia. Ao mesmo tempo, a grande fatia que recebem os grandes empresários e as empresas estatais permite a Lula derramar uma pequena porção para a chamada “classe C” por meio do estímulo ao consumo, e outra pequena parte para a massa de trabalhadores muito pobres que recebem a Bolsa Família.
Os efeitos dos prestigio de Lula por esta “distribuição” são formidáveis. O 80% de apoio de Lula nas pesquisas é a conseqüência da combinação de todos estes elementos com o carisma popular. É também o resultado de que em comparação com FHC, a pesar que Brasil é uns dos países mais desiguais do planetas, algo minimamente esta melhor pela conjuntura mundial. Mas para ter uma idéia do que significa essa distribuição vasta comparar a Bolsa Banqueiro e a Bolsa Família; há uma relação de 40 para 1.

Quem é Serra e quem é Dilma

Não acreditamos que esta localização econômica do Brasil seja alterada qualitativamente com Serra. A atual campanha eleitoral do 2º turno se limitou durante algumas semanas ao giro conservador contra a descriminalização do aborto, também porque o debate das questões programáticas mais estruturantes da economia está num terreno de consenso. E isto não nega as diferenças entre PT e PSDB, que são representações superestruturais relevantes para uma análise precisa.
O PSDB de Serra representa a grande burguesia paulista e de todo o Sudeste, incluindo Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro. Apesar de Serra não ganhar no Rio, ganhou em Santa Catarina com o projeto reacionário representado pelo DEM. Sua base mais forte é a alta burguesia industrial automobilística, de autopeças e as petroquímicas paulistanas, além de uma parte do agrobussines (soja, cana de açúcar, carne).
Do ponto de vista da superestrutura política e origem de classe Serra e seu partido tem relações orgânicas e são parte da burguesia, e com as classes dominantes que estão no poder a muito tempo. Foram deslocadas por Lula e pelo PT, que tiveram sua origem no movimento dos trabalhadores, setores da Igreja e dos intelectuais. O PSDB é, evidentemente, um setor mais confiável para a burguesia.
Lula e Dilma representam a unidade de grandes setores burgueses recentemente desenvolvidos em conjunto com o capitalismo de estado burguês e corporativo. Essa união se expressa no fortalecimento da Petrobras e todas as empresas estatais incluindo os Bancos -que cresceram mais dos 30% de 2002 ao 2009-,  com o expansionismo capitalista a novas zonas do país, principalmente Nordeste, onde se instalaram grandes empreendimentos.
Os poderosos investimentos estatais criaram novas redes de relações com os mega empresários das “multilatinas brasileiras”, que jogam papel sub-imperialista na América Latina. Por exemplo, a Petrobras (semi-estatal), que A Vale do Rio Doce (de Ike Batista, apoiador de Lula), a nova “Fast Food”, fusão de Perdigão-Sadia, e a “Ceará” que se apoderaram dos principais frigoríficos da Argentina e do Uruguai. As empreiteiras de Odebrecht, Camargo Correa, fazem grandes negócios em Latino América. Sem perder de vista a forte aliança com banqueiros, aos quais foram asseguradas as maiores taxas de lucro da história do país, dentre eles o maior banco privado do hemisfério Sul, o Itaú-Unibanco (de Setúbal, também apoiador de Lula).
Não é por acaso que durante o governo Lula, surgiram conflitos com a Odebrecht no Equador e com a Petrobras também em Equador e na Bolívia, fruto dos processos de avanços sociais soberanos nestes países. A luta por um preço mais justa da energia de Itaipu com Paraguai, a invasão dos grandes cultivadores de soja em terras bolivianas e paraguaia.
Assim, se Serra é um representante mais orgânico e tradicional da burguesia, o Lulismo expressa uma mescla de grandes setores burgueses dinâmicos, beneficiados por grandes transferências de recursos públicos, graças ao crescimento da inserção financeira do Estado. Trata-se de uma unidade das “multilatinas” com o capitalismo corporativo mais entrosado com os negócios do Estado, formado à sombra do governo. Governo com a potência financeira de quem controla o capital estatal, os fundos multimilionários de pensão e as grandes empresas controlados pela burocracia sindical. Uma relação orgânica se mede também pelos recursos de investimento.
Daí que não podemos no possamos falar mais com o PT que conhecíamos nas décadas de 80-90. O “lulismo” é um fenômeno novo de transformação e degeneração do próprio PT, esvaziado de seu caráter de classe. Nem podemos falar da definição que Lenin e a III Internacional tinham dos governos operários burgueses. O PT transformo-se em sua essência num partido com rasgos populistas, com sólidos acordos com o PMDB e com os setores empresariais, com a burguesia burocrática que opera através do Estado, e que se fortaleceu nos 8 anos de governo Lula. O seja que o PT sofreu uma mudança qualitativa, e apesar de conservar alguns traços anteriores em a existência de setores à esquerda, mas como partido foi essencialmente dominado por Lula, seu bonapartismo e seu promíscuo arco de alianças.
Caio Prado Jr, em seu livro “A Revolução Brasileira” desenvolve o caráter burguês do corporativismo de Estado e a corrupção intrínseca da máquina estatal capitalista referindo-se a Era Getúlio Vargas. Podemos utilizá-lo para nossos dias de Lulismo.

O que muda no Brasil, de acordo com quem ganhe?

A análise marxista das classes sociais é a única que permite desmistificar o pensamento vulgar. Por exemplo, o ultra direitismo de Serra, segundo setores democráticos, supostamente anuncia um período de terror. Será mesmo?
Não acreditamos que haverá uma mudança qualitativa, ganhe quem ganhe. Um suposto governo de Serra vai melhorar as relações da burguesia brasileira com o imperialismo dos EUA, mas a burguesia brasileira seguirá interessada nos “negócios da China”, e o papel sub-imperialista econômico que conquistou Brasil. do Brasil será mais violento na América Latina.
Isto não nega as diferentes como conseqüência origens sociais dos tucanos e petistas. Enquanto um governo Dilma manterá as relações de cooptação das cúpulas dos movimentos sociais, Serra seguramente tentará negociar os benefícios da burocracia sindical (CUT e Força), enfrentará mais que Lula as ocupações de terra pelo MST. Mas não podemos esquecer que o número de trabalhadores sem-terras mortos em confrontos foi maior no governo Lula que no FHC. O Bolsa Família continuará com Serra, que tem prometido ampliar o benefício e aumentar o salário mínimo (embora isso tenha mais cara de desespero eleitoreiro).
Em suma, há alguns caminhos tomados pelo governo Lula que não serão abandonados por Serra, pois não comprometem a dominação de classe e facilitam o jogo eleitoral, como os programas de assistência social, o PRO-UNI, etc. Ao mesmo tempo, em caso de a crise chegar com mais força ao Brasil, não podemos duvidar que um governo Dilma corte em primeiro lugar justamente as peças de mínima distribuição de renda que garantiram a popularidade inédita e alguma ascensão social às classes “D” e “E”.

O próximo governo e a política para América Latina

Aos militantes latino-americanos do campo do bolivarianismo, surge uma legítima dúvida se um triunfo de Serra não abriria um período violento. Se não seria um “Uribe brasileiro”, disposto a trazer bases militares e apoiar militarmente uma política do imperialismo contra o processo bolivariano.
O terreno internacional é exatamente a zona de maior diferença entre Serra e Dilma. Mas Serra não será Uribe. Como disse o próprio FHC, terá que seguir o processo geral construído durante os últimos anos pela burguesia brasileira em relação aos negócios latino-americanos, e este caminho para alcançar o papel de sub-potência não será revertido pelo PSDB, e passa por certa “diplomacia econômica” no continente.
E Lula apresentou em alguns momentos contradições com os EUA, especialmente no caso do golpe militar em Honduras, durante o qual jogou um papel progressivo. Também estabeleceu novas e importantes relações comerciais com Cuba e Venezuela, e defendeu a entrada deste último no MERCOSUL. Contudo, nunca deixou de responder aos interesses da grande burguesia brasileira, associada às grandes empresas estrangeiras instaladas no país, que formam mais de 40% da produção nacional. Não por acaso, tanto Bush como Obama se sentem amigos de Lula. Na realidade, graças à alta estabilidade alcançada nos país na era Lula, o Brasil pode cumprir este papel de amortecedor para os processos bolivarianos.
Lula tampouco não foi um fanático do Banco do Sul, -muito menos do ALBA-, porque as classes dominantes brasileiras e as multinacionais que aqui funcionam não estão interessadas no assunto, e estão mais voltadas às suas próprias inversões, que lhes permitam controlar a mais valia e o lucro das exportações de capitais.
Por outro lado, Lula não quis o aprofundamento de nenhum processo em curso, pois todos eles seriam um contra-exemplo para a harmonia de classes e sua associação com o capital estrangeiro no país. Dessa maneira, Lula não significou nenhuma ameaça direta ao bolivarianismo, mas serviu com estabilizador continental, que em última instância favorece as classes dominantes contra o aprofundamento destes processos.
A relação de Lula com o imperialismo foi uma “associação conflitiva”, na qual o principal conflito foi o espaço que Lula buscou ocupar diante da fragilidade dos EUA. Essa associação se tornou clara quando enviou tropas ao Haiti, balizando um patamar de forte acordo imperialista. Com Serra a possível “associação” não será “conflitiva”, e ele será um agente mais obediente da política internacional dos EUA.Mas não abdicará, ante o imperialismo, do caráter de sub-potência alcançado pelo Brasil de Lula. A relação com os países da região será mais tensa. Mas isso não será um fenômeno qualitativamente diferente, pois ambos os candidatos defenderão o papel brasileiro de sub-potência, que necessita de certa independência em relação aos EUA.
A única garantia para que com um governo Dilma ou um governo Serra o imperialismo e as burguesias nativas deixem de ter condições de desestabilizar o bolivarianismo, é tirar o poder que ainda têm.  Enfraquecer cada vez mais as burguesias opositoras e os interesses do imperialismo nesses países.  Isto significa aprofundar as nacionalizações dos setores estratégicos, aprofundar o processo democrático de participação popular, combater a burocratização e a corrupção, e por último, utilizar o prestigio popular para que em Bolívia e em Equador ocorram uma democratização para uma mudança nas forças armadas como sucedeu na Venezuela.

O PSOL teve um importante acúmulo político

Levando em conta a atual situação de estabilidade e o fato de que a sua principal figura, Heloisa Helena, não concorreu à presidência, o PSOL teve bons resultados no processo eleitoral e saiu fortalecido. Quantitativamente não atingiu um grande número de votos, mas se afirmou como partido político. Se nas eleições de 2006, logicamente se conhecia a figura de Heloísa Helena e quase nada do PSOL, hoje essa relação se inverteu, sem deixar de manter Heloísa como sua principal figura política o PSOL existe objetivamente. Como é afirmado corretamente por Roberto Robaina em sua nota, o PSOL surgiu como um contraponto às duas políticas apresentadas. E foi claro que há espaço para isso e que esse espaço é maior do que o número de votos obtidos, cerca de um milhão no caso das eleições presidenciais e mais nas eleições para deputados e senadores.
A marca de “partido contra a corrupção”, que não se vende – para um povo que acredita que todos os políticos são corruptos – e nossas propostas foram a única alternativa. Além de ter conseguido eleger senadores e deputados. Como foi mencionado nos textos da Executiva Nacional e de Robaina , tivemos também derrotas importantes. A não eleição de Heloísa Helena e Luciana Genro, duas grandes referências fundacionais do partido, mas que estamos seguros que continuarão na luta política como figuras de massas diante do povo.
Além disso, os votos atingidos por Plínio somam mais que o dobro dos outros seis candidatos menores. Com relação à esquerda foram demonstrados fracassos eleitorais do PSTU que alcançou somente 80 mil votos, do Partido Comunista Brasileiro que teve um pouco mais de 50 mil e os 12 mil votos do Partido da Causa Operária.
Ao mesmo tempo está surgindo outra grande figura nacional. O deputado estadual do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo. Não somente pela votação que obteve, que permitiu a eleição de dois deputados estaduais, mas principalmente por que, baseada na história de vida e atuação política de Freixo foi criado o filme “Tropa de Elite II” que denuncia a convivência entre a polícia militar, o governo e as milícias que controlam diversas favelas do Rio de Janeiro. Foi Marcelo Freixo que apresentou, na Assembleia Legislativa carioca a denuncia desses grupos e de suas ligações com o Estado; foi ele também que presidiu a CPI das Milícias. O filme foi lançado depois das eleições. Até agora é um sucesso, o público aplaude de pé ao seu fim e desde o primeiro dia foram batidos todos os recordes de bilheteria, alcançando mais de cinco milhões de telespectadores em uma semana.
Esses são fatos que se colocam, para o partido como possibilidades para desenvolver um grande trabalho de inserção político-social. Isso não significa uma mera estruturação do partido em categorias, mas também organizar nelas a base política que conquistamos afiliar os setores simpatizantes e manter um contato político periódico com os mesmos.

O segundo turno

Com relação ao segundo turno, foi formulada uma resolução da Executiva Nacional do PSOL, com ampla maioria que sintetiza as posturas debatidas: Nenhum voto a Serra com voto nulo ou com apoio crítico a Dilma.
A resolução reconhece que os governos de Dilma e Serra terão posturas contrárias aos trabalhadores e ao povo. Por esta razão, Plínio de Arruda Sampaio já declarou que votará nulo, e um grande setor do partido seguirá esse caminho. Mas, também compreende que os candidatos não expressam exatamente a mesma coisa, sobretudo em sua relação com os movimentos de massas. Por isso, levando em conta o diálogo estabelecido pelo PSOL com um setor de massas que ainda acredita em Dilma, foi resolvido o veto a Serra. O partido define duas alternativas e dá a seus militantes a liberdade de ação para escolhê-las.  O voto nulo ou o voto crítico em Dilma Roussef para acompanhar a experiência com esse setor de massas.
Para os doutrinários, que não pensam no movimento de massas parecerá uma posição ambígua, no entanto, não havia outra alternativa.
Definir somente o voto crítico em Dilma era colocar em perigo o capital político forjado na luta de oito anos contra o PT no governo. Já definir somente o voto nulo não dialogava com uma grande base eleitoral que identificaria em nosso partido parte da responsabilidade caso Dilma perdesse. Finalmente, o partido se consolida superestruturalmente por que com dois senadores e três deputados será muito difícil para a burguesia inventar uma clausula de barreira que deixe o PSOL fora da lei e fora do debate eleitoral.

Pedro Fuentes
Secretaria de Relações Internacionais PSOL

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Um deputado no olho do furacão

Um deputado no olho do furacão
Bruno Huberman

O sorriso de carioca boa praça engana. Não que o deputado estadual pelo PSOL Marcelo Freixo não o seja, mas quem o vê, a principio, desconfia ser ele o homem que enfrentou a milícia no Rio de Janeiro. Quem conhece a sua história na militância pelos direitos humanos não se surpreende com a atuação que teve na Assembléia Legislativa. Trabalhou como professor de história em prisões, negociou rebeliões ao lado do Bope e em 2006 candidatou-se ao parlamento fluminense para ampliar seu campo de luta. Foi o responsável pela instauração da CPI das Milícias, que prendeu 275 milicianos e desmontou sua liderança.

Freixo não pôde fazer campanha nas áreas de milícia durante a corrida eleitoral deste ano. Seus partidários foram intimidados por milicianos. Por causa do enfrentamento, se viu obrigado a andar em carro blindado e com segurança armado. Mesmo prejudicado, foi o segundo candidato a deputado estadual mais votado no Estado. Conseguiu apoio de artistas e intelectuais. A sua atuação como político e ativista inspirou o cineasta José Padilha na criação do personagem Fraga no filme Tropa de Elite 2.

Na entrevista concedida a CartaCapital, Freixo bateu na gestão do governador Sérgio Cabral e no seu “projeto de cidade segregadora” com as Unidade de Polícia Pacificadoras, muros, remoções e barreiras acústicas. E propôs um novo entendimento de segurança pública no Rio de Janeiro e no Brasil.

Carta Capital: Por que você disse que teria que sair do país se não fosse eleito?
Marcelo Freixo: Porque é óbvio, tenho carro blindado, segurança o dia inteiro, toda uma estrutura policial em cima do mandato. Nunca fui intimidado diretamente, mas houve descoberta de um plano de atentado. A polícia civil interceptou alguns planos.

CC: Você anda com medo nas ruas?
MF: Não é medo, é apreensão. Não é um cotidiano normal. Tem lugares que não posso ir. Não é bom, mas o tempo inteiro eu sabia o que podia acontecer. Também se perdesse a eleição seria uma vitória de muitos que enfrentamos. Acho que não haveria condições políticas para continuar aqui, pela segurança, porque ai sim seria inconsequente continuar no Brasil sem uma função pública e ao mesmo tempo seria um recado da mesma maneira que a minha votação também foi, porque o Rio de Janeiro deu uma resposta, se eu não ganhasse também seria uma resposta, inversa.

CC:O que representa para a política carioca você e o Chico Alencar terem sido eleitos com números expressivos, porém os mais votados continuam a ser políticos como Wagner Montes e Garotinho?
MF: Eles foram eleitos em função do acesso a mídia e não por feitos parlamentares. A mídia televisa de um lado e o rádio do outro. O critério de eleição dessas pessoas não é o mesmo do nosso. Não são os mesmos parâmetros e instrumentos.

CC: Você enxerga isso como uma evolução da política carioca?
MF: Eu acho que a nossa votação foi uma resposta muito boa, animadora, tem muita gente vindo falar isso nas ruas. Eu acho o que levou São Paulo a votar no Tiririca de maneira irresponsável e inconsequente, aqui no Rio foi uma política mais consequente. Foi um “tô de saco cheio” e votaram em alguém, que mesmo que não tenha uma identidade ideológica, é alguém que tem uma referência republicana, ética. Os quase 178 mil votos que eu recebi não são votos de identidade ideológica com o PSOL, nem os do Chico, mas são várias identidades.

CC: O que é de se esperar do próximo governo Sérgio Cabral?
MF: Eu acho que seja pelo menos razoável, porque foi péssimo o primeiro governo do Cabral. Um governo marcado pela falência da saúde pública, as pessoas morrem nos hospitais. A saúde pública carioca é palco de escândalos. Superfaturamento de medicamentos… Eu tenho um pedido de CPI apresentado que há quatro meses está dormindo na Casa. É uma secretaria que dá mais notícia por causa dos escândalos do que dos feitos, que chegou no seu pior resultado na história do Rio de Janeiro. Nunca antes na história do Rio a saúde pública foi tão ruim. Já que o Cabral gosta tanto do Lula, a gente usa essa expressão.

CC: Por que o Cabral saiu-se tão bem nas urnas?
MF: Ele ganhou a eleição por causa da UPP. Os formadores de opinião no Rio resolveram o seu problema de saúde e educação comprando planos de saúde e colocando seus filhos na escola privada. Essa não é uma questão pública no Rio de Janeiro. A escola pública na situação que está no Rio é uma questão só dos pobres. Eu acredito que esse problema seja de todas as grandes cidades. O Cabral ganhou a eleição com a propaganda da pacificação, mesmo que isso tenha sido para uma parte muito pequena do Rio de Janeiro. A polícia do Rio é que mais mata e morre no mundo.

CC: Qual a sua opinião sobre as UPPs?
MF: É um projeto de cidade. A UPP só pode ser pensada com a construção dos muros nas favelas, com as barreiras acústicas que tenta fazer com quem sai do aeroporto e chega a zona sul não veja as favelas e as remoções. O mapa das UPPs é revelador. É o corredor da zona sul hoteleiro, é a zona portuária com o projeto “Porto Maravilha”, é o entorno do Maracanã na avenida Tijuca, a Cidade de Deus e Jacarepaguá, que é a única área em toda Jacarepaguá que não está na mão da milícia.

CC: É para gringo ver?
MF: Não é só pra gringo ver não, é pra gringo praticar esporte. É uma sofisticação da expressão. É um projeto de cidade segregador. Não estou dizendo com isso que nos lugares que tenha UPP não existem avanços, é claro que tem. É claro que é importante não ter o tráfico de armas, o tiro e redução de homicídios. É claro que entendo, compreendo e concordo com o morador da UPP que diz que agora está melhor. Se eu morasse lá também diria isso. Eu entendo o cara dizendo: “eu quero UPP no meu bairro”, é compreensível. Contudo nós temos que ter uma leitura do Rio de Janeiro como um todo. O mapa das UPPs mostra que não é um projeto de segurança pública, é um projeto de cidade. Porque essas áreas são para 2014 e 2016 e no mesmo Rio de Janeiro, com o mesmo governo, nós temos a polícia matando três pessoas por dia. A polícia do Rio é a que mais mata e morre no mundo. O Rio não está pacificado.

CC: Você enxerga alguma solução para a segurança pública fluminense?
MF: Claro que tem saída e não é o Galeão. Primeiro porque a segurança pública não é um debate de polícia, é um debate de política. Você tem que enfrentar as milícias, por exemplo. Os líderes foram presos depois da CPI das Milícias, mas elas continuam crescendo territorialmente porque os seus braços econômicos não foram cortados por esses mesmos governos. Precisa pagar melhor a polícia. A polícia do Rio tem um salário de miséria. O salário do policial do Rio só é maior do que o salário do policial de Alagoas. Não tem corregedorias e ouvidorias funcionando. A ouvidoria do Rio é surda. Não tem aproximação da polícia com a comunidade, apenas tem nas zonas de UPP que é menos de 1% do território do Rio, em todas as outras a polícia mantém um controle. Nós vivemos um apartheid sem precisar do muro. Esses elementos centrais o governo Cabral não desenvolveu. Não adianta dizer que avançou na segurança pública sem ter avançado nesses pontos. Que avanço é esse? Você escolheu algumas áreas de obediência e diz que o Rio está pacificado? Apenas as áreas que interessam ao capital.

CC: Você acha que existe um processo de criminalização da pobreza?
MF: É histórico, claro que sim. Você criminaliza a pobreza e os movimentos sociais. Para o Estado manter as relações autoritárias que ele mantém, nos setores pobres, só faz isso disputando hegemonia. Só faz isso dando um caráter de naturalidade a ação repressora do Estado. Isso só pode ser feita com a produção do medo. A produção do medo é o grande instrumento de criminalização da pobreza.

CC: Existe uma programa do Estado em criminalizar a pobreza?
MF: É o Estado. A criminalização da pobreza é provocada pelo Estado. Isso não é provocado pelo Eike Batista, por mais imbecil que ele seja. Isso é provocado pelo Estado. É a lógica da segregação provocada pelo Estado, quando pega a escola pública e faz ela ser a penúltima pior escola pública do Brasil, só perdendo para o Piauí. É quando faz seu CEP ser determinante na dignidade humana. A dignidade no Rio vem com a maresia. Se você estiver distante da maresia a dignidade vai sumindo.

CC: O que você acha dessa proposta do Serra de criar um Ministério de Segurança Nacional para cuidar da segurança pública, porém isso seria de responsabilidade dos Estados?
MF: Mais ou menos, na verdade o programa original do Lula, de 2002, que eu ajudei a fazer, prevê a Secretaria Nacional de Segurança Pública, que já existe, só que o projeto original prevê que fosse vinculado ao presidente da República e não vinculado ao Ministério de Justiça como é hoje. Isso foi uma mudança, no meu ponto de vista, equivocado. Por que não há debate no Brasil mais importante do que a segurança pública, por uma razão: as pessoas precisam ser mantidas vivas. Nós temos em curso no Brasil hoje um genocídio acontecendo sobre a juventude pobre e negra. Isso tem que ser responsabilidade do presidente da República, mesmo que a responsabilidade das ações policiais sejam do governo do Estado. Segurança pública não é ação de polícia. Precisamos mudar o nosso conceito de segurança, uma sociedade segura não é uma que tem muita polícia, mas é uma que desenvolve uma cultura de direitos, ai a responsabilidade é sim do presidente.

CC: O que você achou do Tropa de Elite 2?
MF: Eu gostei muito, o filme leva o debate para o andar de cima e mostra que o nosso problema é político e não de polícia. É um belo instrumento. Mistura bom entretenimento com um debate político. É uma bela obra.

CC: Você acha que o diretor tratou bem o problema das milícias?
MF: Eles estudaram muito as milícias. Eles acompanharam todo o nosso trabalho no gabinete, acompanharam a CPI. O Braulio Mantovani, que escreveu o roteiro, assistiu a todos os DVDs da CPI, fizemos varias reuniões, estudaram e debateram o roteiro com diversos setores. Tiveram muito trabalho antes do filme ser filmado, isso eu posso testemunhar. É um belo instrumento para saber o que queremos do Rio de Janeiro. Isso não é algo exclusivo nosso, o que leva o Rio a ter as milícias existe em qualquer lugar do Brasil.

CC: E do personagem Fraga, interpretado pelo Irandhir Santos, que o Padilha diz ter se inspirado em você?
MF: O Irandhir esteve aqui com a gente em vários momentos, discutimos cada cena, o roteiro, conversamos muito. Ele é um grande ator, uma das pessoas mais responsáveis dentro da sua profissão que eu já conheci, um estudioso, além de talentoso.

CC: E como foi viver as situações do personagem no filme?
MF: Nem todas aquelas cenas correspondem a realidade. A começar pela minha mulher, que nunca foi casada, nem com o Capitão Nascimento, nem com o Wagner Moura. E a cena do presídio, de todas, é a mais distante da realidade. A cena do colete aconteceu, quando decidia se entrava com colete ou não. Negociei dezenas de rebeliões, não sei a conta. As negociações aconteciam com o Bope, boa parte delas, mas com negociadores do Bope que iam me buscar em casa de helicóptero. Nunca houve uma tentativa de brecar a minha entrada nas prisões, muito pelo contrário, o Bope me chamava para fazer essas negociações. Eu trabalho há vinte anos com os presos, chamo eles pelo nome, sei quem são, tem um respeito muito grande. Trabalhei como professor de história na cadeia durante muitos anos. Para negociação isso é muito importante e para todas as negociações que nós fizemos nunca houve um preso ferido, nenhum problema.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Tropa de Elite 2

Por Marcos Rolim

O primeiro filme foi um enorme sucesso e provocou uma discussão sem fim. Pela primeira vez nas telas nacionais, o cotidiano do BOPE – “o batalhão que não faz prisões” - era apresentado de maneira realista sob a narração de um personagem central, o “Capitão Nascimento”, cuja força dramática impressionou a todos. Houve quem, apressadamente, classificasse o filme de “fascista” por, de alguma forma, permitir a identificação do público com a violência policial.

Havia mesmo um problema a ser desvendado, mas ele estava mais no público que no filme. Na sessão em que assisti ao “Tropa de Elite 1”, algumas pessoas aplaudiram as cenas de tortura e, ao final do filme, um cidadão que descia as escadas atrás de mim lascou: “- Com uns 10 caras como este, a gente acabava com o crime em Porto Alegre”. Ilusão típica da classe média brasileira, a ideia de que a melhor resposta ao crime e à violência é o crime e a violência praticada pelos “agentes da lei” seria risível não fosse ela mesma um dramático atestado de pouca inteligência e nenhum compromisso ético. “Tropa de Elite 2” retoma a trajetória de Nascimento, agora coronel guindado a uma posição secundária na Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro. A estrutura narrativa é a mesma, mas o contexto é outro. Nascimento – o personagem baseado no capitão Pimentel - contrasta com Fraga, um deputado militante dos direitos humanos – inspirado no Deputado Marcelo Freixo (PSOL) que se notabilizou por dirigir a “CPI das Milícias” no Rio. Os problemas da segurança pública seguem sendo abordados desde o olhar do protagonista-narrador, com outra atuação magistral de Wagner Moura. Este “detalhe”, aliás, é fundamental: o filme é o olhar de um policial honesto, mas violento. O que ocorre, entretanto, é que este olhar – rico em suas contradições, virtudes e limites – se desloca. O personagem vai se dando conta de que todo o seu trabalho no BOPE era instrumentalizado por políticos venais. No desenrolar da trama, Nascimento se aproxima de Fraga que é, na verdade, o mais lúcido dos participantes. Com este deslocamento, “Tropa de Elite 2” conduz seu público “pela mão” para um patamar superior de consciência, sem permitir, em nenhum momento, que este efeito pedagógico autorize o tom panfletário ou o maniqueísmo. Estamos diante de um drama real contado por alguém que esteve, como seu público, encharcado por preconceitos e que, finalmente, percebe o que havia de falso e ameaçador em todo o discurso no qual havia acreditado. Assim, se no primeiro filme, o tráfico de drogas aparece como sendo um sub-produto da conduta irresponsável dos consumidores – os “maconheiros” – agora Nascimento se depara com o flagrante de maconha encontrada com seu filho o que, é claro, oferece à audiência um contraste provocador. O discurso punitivo produzido por setores da mídia está retratado na conduta de “Fortunato”, o nojento comentarista de TV que pede “porrada nos bandidos” para se eleger deputado e comandar o crime organizado pelas milícias cariocas. Hipocrisia, violência, corrupção e manipulação andam de mãos dadas e Nascimento, agora, luta contra isto. O anti-herói se converte, mesmo que ao preço de seus sonhos. O que marca o filme pela desesperança apenas aparentemente. A esperança, afinal, mora ao lado e Fraga tinha razão. Filmaço.

Fonte - www.rolim.com.br